Impunidade: Mariana abre caminho para reincidência em Brumadinho


A história se repete: o Brasil e o mundo se comovem mais uma vez com tragédia ambiental em MG ( Mauro Pimentel / AFP)

Minas Gerais tem mar sim. E vergonhosamente, é sujo, é lamaçal. A lição não foi aprendida. Com o rompimento da barragem de Fundão em Mariana (MG), ocorrido em 05 de novembro 2015 - o maior crime ambiental na história do país que varreu o distrito de Bento Rodrigues, matou 19 pessoas e despejou no Rio Doce um volume de 62 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração, esperava-se que fosse a última vez que uma tragédia de proporções calamitosamente similares fosse vista. 

Mas não. Três anos depois, em 25 de janeiro de 2019, mais uma barragem se rompeu. O cenário para tamanha irresponsabilidade e negligência, dessa vez, foi Brumadinho, também no estado mineiro. O mar de lama oriundo da Mina do Feijão destruiu a sede administrativa da mineradora Vale, além de parte da comunidade da Vila Ferteco té agora, o recente desastre deixou 37 mortos (entre funcionários e moradores do vilarejo), sendo 8 corpos já identificados. Além disso, há mais de 300 desaparecidos e o prejuízo ambiental ainda não pode ser calculado. O resgaste de vítimas continua na região. 

À esquerda, barragem 6 do Córrego do Feijão antes do rompimento. À direita, após a tragédia ( G1 / Reprodução) 

Observa-se que no histórico de ambas as tragédias, há um elemento em comum: a Vale. Tanto em 2015 como agora em 2019, a empresa aparece como uma das responsáveis pelas represas. O agravante se intensifica quando se toma conhecimento de que tais barragens já sinalizavam riscos de rompimento. Ou seja: não foram acidentes. Especialistas são unânimes: tragédias anunciadas, que poderiam ser evitadas caso os avisos e as recomendações fossem acolhidos e considerados. Enquanto em Mariana o dano maior foi ambiental, em Brumadinho destacam-se as perdas humanitárias. 

A impunidade vem prevalecendo desde Mariana. A narrativa da mineradora consiste na banalização da tragédia, como se fosse algo que acontece vez ou outra. A Vale é escorregadia, foge da responsabilização devida. Logo, a repetição de Mariana não se trata de uma surpresa, visto que de 2015 pra cá, para a empresa, nada mudou. O modelo predatório de exploração mineral se manteve, com mineradoras e governos estadual e federal ignorando o direito e o apelo das populações que moram no entorno e dos movimentos contrários à atividade minerária. Há quatro dias, o governador de MG, Romeu Zema, comemorou em seu Instagram a expansão da mineração da Vallourec em... Brumadinho. "Minas é a principal região produtiva do grupo e meu governo vai trabalhar duro para trazer investimentos, gerar empregos e renda aos mineiros e mineiras", declarou. 




O desastre de Brumadinho é mais um exemplo simbólico de rompimento de barragens em Minas Gerais. O estado tem um histórico antigo em relação a esse problema, desde 1986 - quando foi registrado o primeiro acidente dessa natureza. De acordo com a Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad), MG tem aproximadamente 450 barragens, e ao menos 22 delas não têm garantia de estabilidade. Em bom português: se uma dessas barragens estouram, cidades podem sumir do mapa em questão de horas. No caso da Mina do Feijão, conforme a Semad, estava tudo "ok" com a documentação, ao passo de que não recebia rejeitos desde 2015. 

É mais do que necessário que o governo federal, ao invés de dizer que vai "flexibilizar as leis ambientais", abra a caixa preta e reconheça o que há dentro dela. Um levantamento do Relatório de Segurança de Barragens de 2017, divulgado no ano passado, revela que a Agência Nacional de Mineração (ANM) é diretamente responsável por fiscalizar 790 barragens de rejeitos no país. No entanto, os dados mostram um trabalho de fiscalização bem tímido: em 2017, apenas 211 barragens foram vistoriadas, ou seja, 27% das instalações. Segundo a Agência Nacional Águas (ANA), das 24 mil barragens cadastradas, só 3% foram inspecionadas por órgãos fiscalizadores em 2017 - isso sem falar de outras 723 que apresentam risco iminente de acidentes. Portanto, o governo deixou de monitorar 73% das barragens de rejeitos brasileiras. 

Será mesmo que "somos o país que mais preserva o meio ambiente", conforme disse Bolsonaro no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça? Ou será que o país a qual se referia seria o outro Brasil, incondizente com a realidade vivida atualmente? Hoje cedo, via Instagram, uma amiga minha se expressou pontualmente: "a dinâmica capitalista do lucro nem sempre é compatível com a dinâmica da preservação da vida, da segurança pública e ambiental". 


Por Leonardo Amorim




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