Drags saem do
underground para “lacrar” no mainstream
É
fato e não há como negar: as drag queens
estão “lacrando” no pop brasileiro. O
sucesso meteórico de Pabllo Vittar e a benquista popularidade do reality show americano “RuPaul´s Drag Race” impulsionam
a ascensão de drags cantoras no
Brasil.
Embora
Pabllo Vittar seja a representante mais referenciada na atualidade, nomes como Gloria
Groove, Aretuza Lovi e Lia Clark compõem um grupo que vem ajudando na projeção
da drag music a nível nacional. E tal
grupo não para de crescer, rompendo inclusive as fronteiras do eixo Rio - São
Paulo.
Músicas
que antes repercutiam de forma limitada ao público LGBTQ+, agora ganham
destaque na programação de rádios do país e nas principais plataformas de streaming de áudio e vídeo, como Spotify e Youtube. Até
mesmo na TV, em horário nobre, as queens
já tiveram a oportunidade de “tombar” com os seus hits musicais.
Cada
vez mais, surgem drags cantoras com
repertório próprio. Se antes a figura drag
– extravagante e caricata - era restrita aos redutos gays, com apresentações que se resumiam em dublagens (lip syncs), performances e “bate
cabelo”, agora a situação é outra.
“É
como se agora fosse a nossa vez. Já vi É
O Tchan, Mamonas Assassinas,
Latino e Sandy & Júnior serem a música do momento. Agora eu me sinto
representada por essas deusas drags que estão mostrando que nós também
podemos”, enfatiza Sarah Mitch, drag cantora natural de Cuiabá com 18 anos de
carreira. A personagem vivida por Junio Ribeiro nasceu de uma inspiração pelas
divas pop Madonna, Britney Spears e Christina Aguilera. Em 2008, foi corada a
melhor drag do Brasil no concurso de
drag queens, na boate Blue Space, em São Paulo. Na TV, já se apresentou em
programas do SBT (“Qual é o Seu Talento?”), Record TV (“Legendários”) e, por
último, na Globo (“Amor & Sexo”).
Há
cinco anos se arriscando no meio musical, Sarah expressa felicidade com a atual
visibilidade de drags cantoras. “O mais legal é ouvir músicas de drag e trans
em lugares que antes nunca ouvíamos, como em rádio, festinhas de amigos e até
em lojas”, diz. Além do single “ Bad Girl in Love” (2013) e do EP “I Am a Man”
(2015),a artista cuiabana promove atualmente o álbum
“Chacoalhada”, lançado em setembro de 2017. O trabalho é especial, pois além de
ter oito faixas inteiramente autorais, conta com participações especiais: a
cantora Ana Rafaela, ex-The Voice Brasil, e os rappers Azul e Linha Dura.
Críticas
O
espírito colaborativo talvez seja uma das principais marcas da drag music. Além das parcerias musicais,
as artistas enaltecem umas às outras publicamente, revelando a existência de
apoio e cooperação entre elas. As evidências estão aí: é Lia Clark divulgando
música de Butantan, é Gloria Groove e Aretuza Lovi fazendo dobradinha de hits, é Pabllo Vittar gravando com Lia,
é Aretuza convocando Vittar e Groove para single
e clipe...
No
entanto, Sarah Mitch sugere cautela ao afirmar tal espírito colaborativo de
forma categórica. “Há sim uma união. Mas existe certa barreira entre as drags famosas e as que ainda não alcançaram
o estrelato”, pontua.
Nancy
Hallow, drag brasiliense que faz sua estreia musical com o polêmico EP
“Histeria”, descreve que a maioria das músicas pertencentes ao movimento dão a
ideia de rivalidade ao falar de “inimigas”, “invejosas” ou “recalque”. Para a
artista, tais músicas funcionam como crítica à inveja e a falsidade, tão comuns
na comunidade LGBTQ+. “Nosso problema não é só os preconceitos que vem de fora,
mas também os preconceitos que existem dentro do meio”, frisa.
A
própria Nancy afirma ter presenciado rixas entre drags. Para ela, tais rixas soam
de forma incômoda. “Se todos nós lutamos por uma mesma causa e se um vence,
todos nós vencemos. Não quero bancar a politicamente correta, mas isso já
passou dos limites. Só quero ver o público LGBTQ mais unido”, desabafa.
Conheça um pouco mais da persona Nancy Hallow na entrevista que ela deu pra gente! Clique aqui!
Modo de fazer
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Fora
do Brasil, o som das drag queens
fundamenta-se no segmento eletrônico, com músicas marcadas por “batidões” e
muito autotune. No entanto, algumas fogem a regra, como Adore Delano (com pegada
mais punk / rock – tire a prova ouvindo o álbum “Whatever”) e Trixie Mattel (que volta
e meia flerta com o country e o folk, cuja mais recente amostra é o álbum “One
Stone”).
Enquanto
isso, mais abaixo da Linha do Equador, as drags
tupiniquins adotam o funk como
principal influência musical. Em tempo: a apropriação não ocorre de forma
genuína. Seguindo a receita “tudo junto e misturado”, adiciona-se o funk com o que puder: hip-hop, arrocha, tecnobrega, forró,
samba, trap, dance...
O
pesquisador e diretor musical Ricardo Ulpiano afirma que o conceito de drag music, na verdade, se refere ao som
que usualmente toca em baladas LGBTQ+. Ou seja, uma música com batidas mais
fortes (algo tipo house tribal). Ainda segundo ele, o atual
desenho do movimento se deve aos meios de comunicação. “A mídia faz aflorar
determinadas características sociais do universo LGBT que acaba sensibilizando
um grupo maior de pessoas”, pontua. Além do mais, Ulpiano observa que a drag music tem seguido um fluxo mais
mercadológico, de consumo e entretenimento.
Sarah
Mitch também vê a drag music como uma tendência. “É uma onda do momento. É o
que as pessoas estão consumindo e acredito que tem sim muita consistência”, diz.
A cantora destaca que a bandeira LBGT não é a única erguida pelo movimento,
embora seja a principal. “Abre-se uma disfunção sobre a variedade, não apenas
sexual, mas de etnias, classes sociais, biótipo físico... As pessoas normais,
gente como a gente, se sentem representadas”, sinaliza.
Ao
contrário do que muitos pensam, Ulpiano acredita que a drag music, assim como outros movimentos musicais, “seguirá se
reciclando, se reinventando”. Aliás, integrantes da drag music também apostam
em metamorfoses. “Muito do que vemos como drag hoje em dia irá se dissolver nas
brumas do tempo e somente aquelas que realmente tem paixão por tal arte irão
permanecer”, opina Nancy Hallow. Já para Sarah Mitch, as mudanças serão naturais,
como ocorre em outros nichos. “Futuramente, haverá uma peneirada e só vai
sobreviver quem realmente tem algo a mais para mostrar”, acrescenta.
Segundo
Ulpiano, a drag music não é uma
“novidade”. Ela advém de diferentes movimentos artísticos do passado. “Esta
expressão artística sempre existiu. O rock, por exemplo, apresentou a sua
vertente: o chamado “Glamour Rock”, ou “Glitter Rock” e “Rock Purpurina”, cujos
destaques são nomes como Gary Glitter, David Bowie, T Rex, entre outros”,
explica. No Brasil, o pesquisador menciona o cantor Edy Star como pioneiro.
Porém, revela que o ápice se deu com o grupo Secos e Molhados, na década de 70.
Outra
faceta da drag music está ligada à
era das discotecas, nos anos 70. “A disco
music era um movimento liderado por negros, gays e latinos, cujo objetivo
era a liberdade de expressão e abafar o predomínio do rock”, afirma Ulpiano.
Porta-bandeira
Apesar
de muitos ouvirem falar de Pabllo Vittar somente agora, ela está na estrada há
um tempinho. Em 2015, ao mesclar pop
e samba em “Open Bar”, versão abrasileirada de “Lean On”, hit mundial do grupo americano Major Lazer, a drag repercutiu positivamente nas redes sociais e conseguiu chamar
a atenção de Diplo, um dos produtores da faixa original e que trabalhou com
astros de calibre grosso, como Justin Bieber, Katy Perry e Ariana Grande.
Em menos de três meses, o vídeo de “Open Bar”
atingiu 1 milhão de acessos. Em seguida,
Pabllo lançou um EP - homônimo ao seu primeiro sucesso – com versões
brasileiras de Beyoncé, Rihanna e Ellie Goulding. Em 2016, assinou contrato com
a TV Globo, assumindo o posto de vocalista da banda do programa “Amor &
Sexo”. No início de 2017, conseguiu lançar, de forma independente, o seu
primeiro álbum, “Vai Passar Mal”. O projeto calcou-se no ecletismo musical
brasileiro e reuniu diversas influências, desde arrocha até dance pop.
O primeiro grande sucesso de Pabllo veio com
“Todo Dia”, parceria com o rapper Rico
Dalasam. A música bombou no carnaval de 2017 de norte a sul do país. A artista
também fez história com o lançamento do clipe: é a produção original de uma drag queen mais acessada no Youtube. Embora
o vídeo de “Todo Dia” esteja fora do ar por questões que evolvam direitos
autorais e motivam divergências entre representantes de Pabllo e Rico, o
conteúdo contabilizou, até junho de 2017, mais de 23 milhões de acessos.
Em meados de julho de 2017, entre as 100 músicas
mais tocadas nas rádios do Brasil, o nome de Pabllo apareceu em “Sua Cara”, hit do Major Lazer. No entanto, a drag é creditada como participação,
junto à cantora Anitta. O buzz
causado pelo lançamento do clipe da faixa – gravado no deserto do Saara, em
Marrocos - apresentou as artistas brasileiras ao mundo. O vídeo, protagonizado
pelas estrelas, bateu um recorde: foi o mais rápido a alcançar 1 milhão de likes em menos de 24 horas no Youtube.
Além do mais, “Sua Cara” foi a produção lusófona com a melhor estreia global do
ano na plataforma, obtendo 20 milhões de visualizações em um único dia. No
ranking geral do Youtube, fica na sexta posição.
E o resultado do trabalho de Pabllo Vittar não
parou aqui. Com “Sua Cara”, “K.O.” e “Corpo Sensual”, ela se tornou a primeira
artista a emplacar três músicas simultaneamente no Top 5 do Spotify Brasil.
A
realidade é que Pabllo fez história com “Todo Dia”, “K.O.” e “Corpo Sensual”. Os
três vídeos fazem dela – com segurança - a única drag queen no mundo a ter clipes superiores a 100 milhões de
acessos . Isso significa que a brasileira superou, nada mais, nada menos, que a
icônica RuPaul, famosa internacionalmente. Só para se ter uma ideia, o clipe
mais visto de RuPaul, “Sissy That Walk”, contabiliza pouco mais de 10 milhões
de acessos em três anos.
Além do mais, Pabllo apareceu em ranking da
Billboard americana. E mais de uma vez. Em outubro de 2017, ocupou a 44ª
posição da “Social 50”, parada que lista os artistas mais engajados nas redes
sociais. Nessa conta, entra quantidade de seguidores, interação em suas
publicações e disseminação de conteúdo na rede. Na época, a brasileira esteve à
frente de Harry Styles e Ed Sheeran. Dias depois, subiu para a 33ª posição.
Superou nomes como Coldplay e The Weeknd. Em novembro, foi destacada pela
Billboard como uma das “12 artistas LGBTQ para se apaixonar”.
Para
fechar a conta do sucesso de Pabllo Vittar, ela vem sendo muito requisitada
para grandes parcerias musicais. Além de
Major Lazer e Anitta, a cantora já colaborou com Preta Gil, Lucas Lucco, Alice
Caymmi e a britânica Charli XCX. Isso sem falar da tão comentada participação
no show da cantora americana Fergie, no principal palco do Rock in Rio, no Rio
de Janeiro, em setembro do ano passado. Desde agosto de 2017, integra o casting de artistas da Sony Music. Ufa! Se isso não é sucesso...
Desbravadoras
Se
hoje as drags estão caindo no gosto
popular, embora ainda haja resistência e preconceito da ala conservadora, é
porque houve gente que abriu caminho pra isso. No Brasil, a pioneira Miss Biá,
com quase 60 anos de carreira e ainda na ativa, se apresentava na noite
paulistana em plena ditadura militar, nos anos 60. Nessa época, também surgia
Rogéria, cuja carreira como maquiadora na extinta TV Rio a levou para os palcos
do teatro, cinema e TV. Miss Biá e Rogéria são remanescentes de um período em
que as drag queens, assim como os
homossexuais e as prostitutas, eram duramente perseguidos. A partir dos anos
90, começaram a surgir nomes mais populares, como Sylvetty Montilla, Márcia Pantera, Ikaro Kadoshi, LaBelle
Beuaty e as Irmãs Von Carter..
No
entanto, se você perguntar para alguma drag
da nova geração quem é a maior inspiração dela, (provavelmente) terá como
resposta o nome da queen mais
influente do mundo – reconhecida pela revista Times: RuPaul. A americana, de 56
anos, é cantora, atriz e modelo. Ganhou fama ainda nos anos 90 ao participar de
diversos programas de TV, filmes e álbuns musicais. Foi ela a primeira drag queen da história a emplacar um sucesso
na Billboard Hot 100, maior parada musical dos Estados Unidos. O feito foi
alcançado em 1993 com “Supermodel (You Better Work)”, que figurou no Top 40 da
tabela. Trata-se de uma conquista, uma vez que as drags queens, historicamente, sempre estiveram associadas a cena underground – especificamente a
comunidade gay. Com “Supermodel”,
RuPaul rompeu barreiras e conseguiu com que a drag music atingisse o mainstream,
ou seja, o grande público. Mais de vintes anos depois, Pabllo Vittar repete a
proeza de RuPaul ao ter as suas músicas entre as mais tocadas no Brasil.
O
sucesso de “Supermodel” fez com que a canção aparecesse na lista das mais
executadas pelas rádios americanas, na 45ª posição. Todavia, o melhor
desempenho do single foi a
vice-liderança na Dance Club Songs, tabela da Billboard responsável por
divulgar as canções mais populares nas baladas e discotecas dos EUA.
Mas o ápice da popularidade de RuPaul foi a partir de 2009, como anfitriã do reality show “RuPaul´s Drag Race”. A atração é sinônimo de audiência na televisão americana - chegará na 10ª temporada em 2018 - e promove uma verdadeira competição em busca da próxima “drag queen superstar da América”. A aspirante ao título deve convencer os jurados de que reúne todos os atributos necessários. As candidatas enfrentam provas e gincanas que testam habilidades em canto, dança, costura, talento, humor e personalidade. O programa é conhecido por revelar várias drags que hoje fazem sucesso como cantoras, sendo exemplos Adore Delano, Alaska Thunderfuck, Courtney Act e Sharon Needles. Muitas delas já gravaram singles e/ou álbuns, inclusive com aparição em paradas musicais, além de sair em turnês mundiais.
Enfim,
a drag music está aí, em voga. Agradando ou desagradando a diferentes gostos,
embora muitos dos que não aprovem façam confusão entre preferência e
preconceito. É bem como define Sarah Mitch: “eu acredito que ganhamos mais
valor com o público em geral, pois só o público LBGT não daria, por exemplo, o
prêmio de melhor música do ano para Pabllo Vittar no Domingão do Faustão”.
Curta a playlist "Drag Music Brasil",que preparamos no Spotify, e fique por dentro do trabalho musical de diferentes drags.
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