Depois de uma semana, a voz
do Brasil ainda é majoritariamente uníssona: “Marielle: presente!”. Aliás,
“Marielle: onipresente”. Um grito que ecoou para além da fronteira nacional,
respigando no radar da Organização das Nações Unidas (ONU). A comoção pública
em torno do assassinato da vereadora fluminense do PSOL, Marielle Franco, e de
seu motorista, Anderson Gomes, no último dia 14/03, fez com que o luto virasse
luta. Ao invés do silêncio, as mortes em questão, mais enfaticamente a da parlamentar,
geraram verbo.
Mais do que clamar por justiça, milhares de brasileiros saíram às ruas para honrar a memória e o trabalho de uma mulher negra, “cria da Maré” e de origem humilde. Que se esforçou dignamente para obter a formação acadêmica em ciências sociais, além do mestrado em administração pública. Eleita politicamente pelo povo nos trâmites legais da democracia, foi a quinta vereadora mais votada no Rio de Janeiro nas eleições municipais de 2016. Mais de 46 mil cidadãos confiaram a ela o direito de representatividade. Ativista dos direitos humanos, Marielle atuava na linha de frente em combate ao racismo, ao machismo, à homofobia, à marginalização dos moradores de favelas e periferias e o “genocídio” desse núcleo populacional – ocasionado em grande parte pelo Estado e pela polícia.
O crime - não minimamente
hediondo; mas nefasto, covarde e extremista – ainda é, nebulosamente, envolto
de muito mistério. As investigações da Delegacia de Homicídio do Rio até agora
apontam para a suspeita de execução. As circunstâncias levam a crer que tudo
foi planejado, pois câmeras de segurança registraram dois carros seguindo o de
Marielle desde quando ela saiu de um evento de mulheres negras na Lapa .
Apoiadores e simpatizantes
de Marielle alegam que os algozes são da polícia, uma vez que a vereadora denunciava sem pudor as ações excessivas dos militares em comunidades cariocas. Se
levarmos em conta as provas obtidas no momento, a acusação não beira por
completo um “fundamentalismo de esquerda”, como prega os taxados “cidadãos de
bem”. Um dos elementos que aparentemente alicerça a arquitetura do assassinato
como ação de natureza militar é a munição utilizada. O calibre 9mm, usado em submetralhadoras
e pistolas, faz parte da rotina de forças de segurança. A Rede Globo apurou com exclusividade que as balas que mataram a vereadora e o motorista são de lotes vendidos pela fabricante CBC a Polícia Federal de Brasília, em dezembro de 2006. Embora a munição seja encontrada para compra no mercado negro,
principalmente no Paraguai, a perícia da Divisão de Homicídios constatou que o
lote é original, portanto, a munição não foi recarregada. O mesmo lote foi
usado na chacina de Barueri e Osasco, em São Paulo, em agosto de 2015. Três
policiais militares e um guarda civil foram condenados por esse crime, que
resultou na morte de 17 pessoas.
Enquanto a maioria dos
brasileiros pressiona e exige por uma resposta, as investigações seguem sem
saber quem são os culpados. O que resta para os enlutados combativos até então
é resistir nas ruas em favor de Marielle e Anderson, não deixando cair no limbo
um dos crimes mais brutais na história da política brasileira. Crime esse que
abre um leque para uma série de questões sociais. Lembrando que tudo isso
acontece num contexto de plena intervenção militar no Rio de Janeiro, onde
agora um general é o interventor e chefe máximo da segurança pública.
O fato é que a tragédia
tomou proporções colossais. O vampirão sanguessuga da República presidente
da República, autoridades jurídicas e políticas, meios de comunicação,
ativistas, classe artística... Quase ninguém ficou imune à sensibilização. Mesmo
aqueles que a conheceram recentemente pelos noticiários, cujas manchetes vieram
em tom idólatra. O nome de Marielle também fez barulho na comunidade
internacional. A ONU, que vem sendo cobrada por vários grupos de militância, se
prepara para entrar no caso, tendo em vista o seu significado e relevância na
luta pelos direitos humanos ao redor do mundo. Além das Nações Unidas, também
manifestaram repúdio pela morte de Marielle a Organização dos Estados Americanos (OEA), a Anistia Internacional e a Human Rights Watch. No Parlamento
europeu, o caso motivou debates políticos no âmbito das negociações com o
Mercosul. Não menos importante, os
protestos ocorridos em diferentes lugares do mundo, como Londres, Paris,
Munique, Estocolmo, Lisboa, Nova York e Madri.
Tenho por mim que o
assassinato de Marielle Franco; aos olhos de uma classe política meritocrata e
sórdida; culminou no corte “do mal pela raiz”. Marielle era símbolo de
esperança, de renovação política, de uma guinada para um futuro melhor. A sua
maior e principal bandeira era a igualdade: mais participação feminina na
política, mais negros nas universidades, mais respeito para a população
LGBTQI... Em suma: Marielle lutava por um Estado justo e que realmente trabalhasse
a favor do povo.
Se engana quem pensa que as
balas que alvejaram Marielle e Anderson funcionaram como um “cala-boca”. Elas
apenas reverberam, em cadeia mundial, o abissal abismo nas relações sociais e
políticas do Brasil. O quão é grave as problemáticas que nos rodeia, aflige e
corrompe. Nem as fake news sobre a vereadora, disseminadas de forma caluniosanas redes sociais horas após a sua morte, foram capazes de manchar o histórico
da brava e valente “cria da Maré”. Tiveram a audácia de informar erroneamente
que Marielle fora casada com um traficante e que teve sua candidatura apoiada
pela facção criminosa Comando Vermelho. Felizmente, sites de fact-checking
desmentiram tais boatos.
Não é à toa que a história
de Marielle percorreu todo o globo terrestre.
É porque os ideais de Marielle ainda vivem e são extremamente
necessários para a sociedade atual. Enfim, essa é a Marielle presente, cujo
passado de superação e de luta agora é inspiração para a construção de um
futuro bom para todos.
Leonardo Amorim
Autor deste blog
Leonardo Amorim
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