Treze
canções que exaltam o Nordeste
Duas palavras que combinam
são Nordeste e diversidade. A região é rica em vários aspectos: natureza,
sabores, cores, ritmos, histórias, festas... Ademais, é a que mais concentra
estados no Brasil, representando 18% do território nacional.
O lugar também é berço de
personalidades brasileiras, importantes para diferentes matrizes da nossa
cultura. Na literatura, por exemplo, ganhamos nomes como Ferreira Gullar, Jorge
Amado, João Ubaldo Ribeiro, Rachel de Queiroz, Ariano Suassuna e Nísia Floresta.
Já na música, fomos contemplados com gente da estirpe de Raul Seixas, Maria
Bethânia, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Dominguinhos e Ivete Sangalo. Na TV e
no cinema, há preciosidades como Chico Anysio, Arlete Salles, José Wilker,
Lázaro Ramos, Marco Nanini, Wagner Moura e Chacrinha.
Ainda que seja uma região
hipercultural e com uma geografia admirável, o Nordeste apresenta problemas
sociais e geopolíticos históricos. Além da estiagem que castiga o semiárido de
forma constante, a cota de mazelas contabiliza outros fatores desumanos, como a
desigualdade de renda e a dificuldade da população em ter acesso a serviços
básicos de saúde e educação - por conta da corrupção nas administrações locais.
Já não basta sofrer com
tamanhas injustiças, o povo nordestino ainda carrega o ônus estigmatizador de “pobretão”,
“pé-rapado”. Esse grupo populacional é subjugado por meio de piadas infames e
comentários jocosos – seja pela origem humilde, nível de escolaridade ou
sotaque. Por representarem uma parcela maior de beneficiários de programas
sociais, como Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida, os nordestinos são
taxados de forma preconceituosa pelos sulistas como “sanguessugas do governo”. O
tratamento inferior se estende ao mercado de trabalho, visto que muitos
empregadores enxergam os trabalhadores do Nordeste como mão-de-obra barata.
Apesar dos pesares, o
nordestino não se envergonha de si mesmo. Pelo contrário, sente orgulho de sua
gênese batalhadora, que não foge à luta. E todo esse orgulho é celebrado numa
data especial: 8 de outubro. O “Dia do Nordestino” foi criado em 2009 na cidade
de São Paulo, principal destino migratório dos nordestinos. O ato foi uma homenagem ao centenário de
nascimento do poeta cearense Patativa do Assaré, que soube como poucos
expressar a essência nordestina.
Em comemoração à efeméride,
preparei um Top 13 temático, com músicas que exaltam o Nordeste. Então, não se
avexe, cabra! Dê o play aí, bichim!
13)
Raiz de Todo Bem – Saulo Fernandes
O primeiro single do álbum “Saulo Ao Vivo” (2013)
reverencia a cultura nordestina, especialmente a da Bahia, estado de origem do
cantor. A canção, cuja essência rítmica é miscigenada entre reggae, axé e
afrobeat, foi concebida no intuito de valorizar as tradições locais. Em
primeiro plano, ela evidencia a ascendência africana do território baiano. Ao
cantar versos como “Oxente, cê não tá vendo que a gente é Nordeste?”, Saulo
reafirma o orgulho em ser nordestino. Do início ao fim, a letra é cheia de
referências regionais, como a ladeira do Pelourinho, a Igreja de Nosso Senhor
do Bonfim, o candomblé e até mesmo a famosa gíria “cabra da peste”.
O videoclipe postado no
Youtube foi extraído do DVD do mesmo projeto. Nele, antes da música ser
executada, há uma espécie de interlúdio, com uma voz masculina declamando um
poema sobre a ancestralidade africana da Bahia.
Em 2014, Saulo regravou
“Raiz de Todo Bem” com a participação de vários artistas da axé music , entre
eles Carlinhos Brown, Ivete Sangalo, Luiz Caldas e Daniela Mercury. A nova
versão veio como uma homenagem aos 30 anos do gênero musical.
12)
São João na Estrada – Elba Ramalho
A música é uma demonstração
da paraibana em fazer jus ao seu título de ícone das festas de São João
nordestinas. Aliás, a temática da canção gira em torno de uma das maiores manifestações
artísticas do Nordeste. Elba fala sobre as turnês juninas, em rodar vários
estados para curtir a festança. Seja em Natal, Mossoró, João Pessoa, Campina
Grande... A artista garante que vai estar em todas. Será figurinha carimbada.
Sendo uma das faixas do 14º álbum
de Elba, “Encanto” (1992), a canção é um glossário geocultural com várias referências
juninas. Ao ouvi-la, pode-se concluir que no mês de junho, fica parado quem
quer, pois o que não falta nas quebradas nordestinas são festas juninas.
11)
São João no Arraiá – Luiz Gonzaga
Achou que o Rei do Baião não
ia prestar sua homenagem às festas de São João? Enganou-se. Aliás, o artista
tem canções que até hoje embalam festas juninas em todo o Nordeste. “São João
no Arraiá” obedientemente faz parte desse repertório.
A faixa em questão, contida
no LP “São João na Roça” (1958), é um convite para que uma “iaiá” (menina ou
moça mais nova) conheça uma das festas mais populares do Nordeste. Além de
descrever o cenário típico da festança, Gonzaga deixa bem entendido que “arraiás”
são especialidades do Nordeste.
10)
Lamento Sertanejo – Dominguinhos
Apesar da canção ser
creditada ao sanfoneiro Dominguinhos, ela está presente no álbum “Refazenda”
(1975), de Gilberto Gil. Ela trata do isolamento e do conservadorismo dos sertanejos,
sistemas de vivências muito comuns no Nordeste brasileiro. Ao invés de ter as
mordomias urbanas, o protagonista da música prefere o seu cantinho lá na
caatinga, “no interior do mato”. Ele não gosta de cama mole e não sabe comer
sem torresmo. Observa-se também a demonstração do desapego as coisas mundanas
da vida. É bem como diz a última estrofe: “Sou como rês desgarrada / Nessa multidão,
boiada caminhando a esmo”.
9)
Você já foi a Bahia? – Dorival Caymmi
Arrisco dizer que a Bahia, talvez,
tenha sido um dos maiores amores de Caymmi. Afinal, o louvado baiano já compôs inúmeras
músicas pensando nessa menina litorânea.
“Você já foi a Bahia?” é
apenas mais uma de suas várias composições temperadas por baianidade. Ela foi
lançada em 1941 e ganhou fama internacional ao aparecer no filme da Disney, “The
Theree Caballeros”, de 1944. No longa, o samba, que passou por pequenas
adaptações, é interpretada pelo malandro papagaio Zé Carioca, que a usa para convidar
o Pato Donald a conhecer a Bahia. No entanto, na canção original, Caymmi faz o
convite para uma “nêga”.
O brasileiro usa referências
culturais do estado para cativar a suposta convidada. Primeiramente, a música
cita a Igreja Senhor do Bonfim, onde são distribuídas aquelas famosas fitinhas
coloridas. Símbolo da fé baiana, a igreja é um ponto de sincretismo religioso. Depois,
o cantor se apropria da gastronomia para apresentar a Bahia: vatapá, caruru e
munguzá. Ademais, também são lembrados o samba e os sobrados imperiais de
Salvador.
8)
Vida Nordestina – Djavan
O alagoano é outra
personalidade musical a dar voz as dores e aos amores do Nordeste. A primeira
faixa do álbum “Vidas Pra Contar” (2015) tem uma sonoridade genuinamente
nordestina que aduz a superação dos nordestinos em relação à penúria. Segundo o
próprio cantor, “é um povo realmente muito sofrido, que vive tentando tirar
leite da pedra e nem por isso deixa de ser feliz, viver feliz”. Ou seja, a
canção é um reconhecimento à sina desafortunada de uma população que sente na
pele o que é lutar para sobreviver.
Em meio às dificuldades,
Djavan lembra que os nordestinos têm amor pela sua cultura e, graças a esse
amor, o enfrentamento das adversidades fica menos doloroso. O artista se refere
a várias válvulas de escape, tradicionalmente nordestinas: a novena, o reisado,
o maracatu, o bumba-meu-boi... É uma pena que elas sejam passageiras. Como o
cantor diz, “depois é só saudade”.
7)
Paraí-ba – Zé Ramalho
A faixa, que é uma ode ao
berço de origem do cantor e tem participação do cantor Flávio José, está
presente em seu 14º álbum, o “Nação Nordestina” (2000). Aliás, todo o material
conta a história de um viajante que desbrava o Nordeste brasileiro. Na primeira
parte, a canção alude claramente ao sofrimento de quem vive nos sertões, de
quem é obrigado a ver o “açude sequinho” e o “gado magrinho”. Além do mais, a
rotina expressa pelo artista evoca simplicidade no modo de viver dos
paraibanos, como o “velho sentado num banco velho comendo com gosto um pedaço
de angu”.
Já na segunda estrofe, a
música muda o jogo ao cultuar as maravilhas da Paraíba: os artistas conterrâneos
que orgulham todo o país, a “presença da mãe natureza”, a confiança nos semelhantes...
Em suma, Zé Ramalho faz, sinteticamente, uma radiografia social e econômica do
seu amado estado. Bem mais do que isso, o artista canta todo o seu carinho e
respeito pelos paraibanos.
6)
Feira de Mangaio – Sivuca
Pasmem os regionalistas: o
baião de melodia alegre, composto pelo multi-instrumentista Sivuca e sua
esposa, Glória Gadêlha, surgiu quando o casal ainda morava nos Estados Unidos, nos
anos 70. Ou seja, o Nordeste inspirou a canção à longa distância, num hemisfério
bem mais ao norte. No entanto, a canção fez sucesso na voz de Clara Nunes e
integra o LP “Esperança”, de 1979.
A feira carro-chefe da
canção é impactante na cultura do Nordeste, uma vez que ela ajuda a aquecer a
economia da região, além de valorizar os elementos regionais. Uma feira de
mangaio reúne pequenos artesãos e comerciantes. Aliás, a palavra “mangaieiro” –
citada na música - designa os carregadores de mangaio, um instrumento que tem
uma vara com duas cordas nas extremidades, nas quais ficam pendurados dois
balaios de cipó. Nestes balaios, são transportados diversos tipos de produtos,
como por exemplo, frutas. O item é muito utilizado pelos mascates nordestinos. Em
uma definição mais simples, o mangaieiro é uma espécie de camelô.
No vídeo abaixo, Sivuca une
sua sanfona ao canto de Clara Nunes para narrar a movimentadíssima rotina de
uma feira de mangaio. A dupla expressa a versatilidade que marca o comércio
local. É como se os artistas incorporassem animadamente um mangaieiro que vende
de tudo: fumo de rolo, arreio de cangalha, bolo de milho, cocada... Uma dica
para os ouvintes: pegue quem estiver do seu lado e dance grudadinho.
5)
Petrolina Juazeiro – Luiz Gonzaga
A sanfona com afinação
tipicamente nordestina dá voz à paixão do Rei do Baião pelas duas cidades que
são a cara do Nordeste. A primeira, a qual o cantor diz querer voltar “pra não
morrer de saudade”, fica no interior de Pernambuco. Já a segunda, que várias
vezes foi visitada por Gonzaga em sua mocidade, está localizada na Bahia.
Apesar da paixão por ambas,
Gonzaga parece imprimir na música uma sensação de nostalgia. Em grande parte dos
versos, o artista se refere às cidades em tempos do pretérito, como em “ainda
me lembro que nos tempos de criança / esquisita era a carranca / e o apito do
trem / mas, achava lindo quando a ponte levantava / e o vapor passava num
gostoso vai e vem”. Ou seja, a letra da música é permeada por um tom
memorialista. Além do mais, as presentes citações “Rio São Francisco” e
“carranca” reforçam a veia nordestina da canção.
Outro detalhe interessante é
a menção à Ponte Presidente Dutra, que liga Petrolina à Juazeiro. Tal menção é
feita de forma implícita, sem citar o nome da ponte de forma completa. Para os
nordestinos, torna-se desnecessário explicitá-la, uma vez que o contexto da
música, que diz respeito à realidade local, leva a uma interpretação imediata.
Já para os sulistas menos atentos, por ora, deve-se recomendar que ouçam a
faixa junto a um livro de geografia.
4)
Valente Nordeste – Olodum
O grupo cultural baiano, de origem
carnavalesca, mistura a famosa batucada de axé com a tradicional sanfona nordestina
para unificar a honra dos conterrâneos regionalistas. A música, remanescente do
álbum “Filhos do Sol” (1994), faz um verdadeiro passeio pelo Nordeste ao
mencionar diversos estados: Paraíba, Ceará, Maranhão, Alagoas, Pernambuco, Bahia
e Sergipe. Além do mais, a banda enaltece a essência nordestina ao trazer à
tona alguns símbolos locais, como o jegue, o jipe, a luz do lampião e a gíria popular
“cabra da peste”.
Porém, o Olodum não se
esquece do lado triste do Nordeste, aquele em que “morre gado” e “morre gente”.
A canção também denuncia de forma oportuna a falta de “água cristalina” e a
discriminação do governo para com o “pobre povo, pobre chão”.
3)
Nordeste Pra Frente – Luiz Gonzaga
O título da música, datada
de 1968, já diz muita coisa. Gonzaga clama em bom tom para o repórter de um
jornal impresso que a região segue na estrada do progresso. Em um pé de serra
“gostosim”, constata-se o desenvolvimento do Nordeste: é o lambe-lambe do
sertão que já usa flash, é o carro de praça cobrando pelo reloginho, é a
instalação de universidade em Caruaru, é a chegada da televisão em Campina
Grande, é o petróleo jorrando em solo sergipano... O cantor lembra até da
“invasão estrangeira”, com matutos usando gravatas italianas e gente bebendo
whisky escocês nos hotéis. Em “Nordeste Pra Frente”, Gonzaga dá adeus ao atraso
econômico e saúda a nova era de prosperidade.
Na última estrofe da música,
Gonzaga ainda faz questão de enfatizar que o subestimado Nordeste deu a volta
por cima graças e venceu os desacreditados. Ademais, observa-se que o artista
não esquece dos benfeitores de tal progresso. Ele agradece ao governo, que via
Sudene (autarquia administrativa e financeira atuante na região), fez as
engrenagens do desenvolvimento funcionar. E claro, também se vale de sua religiosidade
para mencionar Deus e “Padim Ciço”, tido como o “padroeiro dos nordestinos”.
2)
ABC do Sertão – Luiz Gonzaga
A pegada aqui é, digamos,
pedagógica. A canção de 1953 celebra o linguajar nordestino e, ao mesmo tempo,
se mostra como uma alternativa de aprendizagem em um país onde o acesso à
educação ainda não é para todos. Luiz Gonzaga se revela uma espécie de
professor ao cantar (e ensinar) o abecedário sertanista.
Em pouco mais de dois
minutos, é possível saber que as letras “J” e “L” são, respectivamente, “ji” e “lê”.
Também aprendemos que em terras áridas, o “Y” se transforma em “pissilone”.
Enfim, a proposta da canção pode
parecer lúdica. Mas o Rei do Baião espertamente recorre a poética para
denunciar a precária alfabetização em seu seio natal. Ou seja, já que o governo
não garante a educação de nossas crianças, cabe a nós ensiná-las a viver nesse
mundo devorador.
1)
Nordeste Independente – Elba Ramalho
O sentimento separatista é a
alma desta canção. A cantora paraibana a utiliza como resposta ao preconceito
contra o Nordeste. Porém, a canção segue o teor de gozação provocativa. Nos
versos iniciais, o desejo de “independência” em relação ao restante do Brasil se
manifesta de forma crua e nua: “Já que existe no sul esse conceito / que o
Nordeste é ruim, seco e ingrato / Já que existe a separação de fato / é preciso
torná-la direito”. Para Elba, a dissidência entre as duas nações é uma saída
para ambas, resultando em lucro e vidas novas.
A canção, presente no
projeto “Do Jeito que a Gente Gosta” (1984), chegou a ser censurada pelo
governo de João Figueiredo por fazer apologia ao separatismo. A letra ficou por
conta do menestrel pernambucano, Ivanildo Vila Nova, e do poeta paraibano,
Bráulio Tavares. Para muitos nordestinos, “Nordeste Independente” é um hino de
rebeldia e autoestima. Elba entoa sobre a autossuficiência do Nordeste nas áreas
cultural e econômica. Em partes, como “O Brasil ia ter de importar / do
Nordeste algodão, cana, caju / Carnaúba, laranja, babaçu / Abacaxi e o sal de
cozinhar”, a artista não só explana sobre as riquezas da região, como mostra o
quanto os sulistas são dependentes delas.
Não é de se admirar que a
música represente um bojo de ícones nordestinos. Elba brinca com a classe
política ao propor que o jangadeiro fosse o senador, o cassaco de roça, o
suplente, o cantador de viola, o presidente, e o vaqueiro, líder de partido.
Além do mais, a cantora faz outras sugestões: o sotaque nordestino como idioma
oficial, a bandeira de renda cearense e “Asa Branca” como hino nacional.
Embora brave pela separação
do Nordeste, Elba pontua que o novo país continuará sendo amistoso com o povo
brasileiro, tendo uma diplomacia respeitável.
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