Mônica Martelli “doutrina” vida conjugal em “Minha Vida em Marte”

Mônica Martelli “doutrina” vida conjugal em “Minha Vida em Marte”

Peça evoca a domesticação das mulheres ao casamento

Crédito: Guga Melgar 

Nesse derradeiro fim de semana, nos dias 13 e 14 de abril, o Cine Theatro Brasil Vallourec abriu cena para o humor inteligente da atriz e autora Mônica Martelli, que veio para Belo Horizonte com a turnê de seu divertidíssimo monólogo “Minha Vida em Marte”. A artista, também conhecida por ser uma das apresentadoras do programa “Saia Justa” (GNT), conscientizou e arrancou boas gargalhadas plateia mineira sobre a manutenção dos relacionamentos. Ou como a própria diz, o “trabalhar a relação”. Pois bem. Foi uma experiência interessante embarcar nessa obra e decifrar os propósitos arraigados nela. Com roteiro e interpretação de Martelli, a direção ficou por conta da irmã, Suzana Garcia.

Primeiramente, é importante saber que a referida peça é uma continuação da vida amorosa da personagem Fernanda, cuja história fora retratada no longa “Os Homens São de Marte... E É Pra Lá que Eu Vou” (2014). Aliás, Fernanda nasceu nos palcos do teatro em 2005. Anos depois, seu sucesso se estendeu para a TV e o cinema.

Diferentemente do filme, no qual ela dedicava boa parte de seu tempo em busca da metade de sua laranja, agora ela é casada há 8 anos com o arquiteto Tom e mãe de Joana, uma menina de 5 anos. A empresária de cerimoniais de casamento expõe os dissabores, as intempéries e as rusgas de seu relacionamento, surgidos com o escorrimento cronológico. Tais exposições são elucidadas por meio das vivências da protagonista, que tempera o seu drama pessoal com comicidade para abordar questões referentes às lides matrimoniais, como sexo, independência, idade, crise e traição.

Ademais, “Minha Vida em Marte” se apresenta como um manifesto feminista. De forma sutil e leve, Martelli põe a sua gênese artística em praça pública para advertir sobre o machismo, um mal social que é atual e corroí não só as mulheres, mas também os homens. Ao narrar a biografia de uma esposa que vive aprisionada em um relacionamento carente de afetividade e valorização, a atriz lembra o quanto o gênero feminino é domesticado para o casamento. É como se a sina de uma mulher fosse a de ter uma vida inteiramente dedicada ao bem-estar do marido e do (s) filho (s).

Através de Fernanda, Martelli expressa a principal luta de muitas mulheres que convivem de forma infeliz com o parceiro:  a de sustentar  - a todo custo – um relacionamento desgastado e desgostoso. Por mais crítica que esteja a situação, Fernanda tira esperanças de onde não tem para (re) conquistar o marido e manter a união a salvo, na mais santa paz. Detalhe: tal esforço é feito em mão única, ou seja, apenas uma parte ferve os neurônios com tamanha preocupação. E não é o Tom, que com suas atitudes machistas, mais colabora para o fim do que para a reconciliação. Fernanda acredita na existência de uma nova chance em relação à solidez de sua estrutura familiar – mesmo que o casal seja divergente e, cada um em sua individualidade, trilhe caminhos opostos. Ele quer apenas copular – todo o santo dia. Já ela, o que vale é a estabilidade no casamento, com ambas as partes realizadas.

A missão pueril de Fernanda é um reflexo nítido da realidade. Desde a infância, as meninas são condicionadas ao casamento. Elas aprendem que a mulher só é valorizada e bem-sucedida quando tem um homem ao seu lado. Curtir a vida e ser independente, estando bem consigo mesma? Nem pensar! Não aqui nessa sociedade machista, patriarcal e sexista. O fim de um relacionamento para muitas delas se equipara a sensação de se atirar ao fundo de um poço. Afinal, o que foi aprendido, ou melhor, imputado, é que o enlace matrimonial se trata de um mandamento na vida feminina. Fernanda é um exemplo cabível do estereótipo da mulher que teme ficar sozinha e é pressionada socialmente por diferentes grupos (no caso da personagem, a tia fofoqueira, os amigos, a terapeuta...) a buscar o homem ideal , com quem se espera viver uma tórrida história de amor por toda vida. Tudo conforme manda o script conservador e tradicionalista.

Show à parte

Adentro aos aspectos técnicos da peça, além do cenário e da iluminação, um acerto especial e que não pode ser omitido é a trilha sonora, composta por artistas como Gilberto Gil, Adriana Calcanhoto, Vanessa da Mata, Sia e a banda irlandesa The Cranberries. As músicas eram como portais que davam acesso ao mundo sentimental da personagem. Uma hora, era saudade (me emocionei ouvindo “Linger”). Em outra, se encontrava radiante por sua liberdade. As canções reproduzidas em cada um desses momentos fizeram jus a ocasião e ao estado de espírito presente.


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No fim da peça, mãe, filha (à direita) e sobrinha (à esquerda) transbordaram simpatia com o público (Crédito: Acervo JornaLeo) 

Intimidades

No fim da sessão, a atriz abriu um pouco de sua vida pessoal em bate papo com a jornalista Leila Ferreira. O público se encontrava atento. Além de se emocionar com as suas raízes e referências mineiras (o pai é natural de Leopoldina), Mônica ainda lembrou o quanto o feminismo permeou a sua criação. “Sou filha de uma mulher feminista. Minha mãe foi a primeira vereadora de Macaé, cidade onde eu nasci. Ela fazia sessões na câmara com um penico em cima da tribuna para reivindicar um banheiro feminino”, contou. A artista ainda falou de carreira, como a sua tentativa de decolar na novela “Por Amor” (1997), de Manoel Carlos, com a secretária monossilábica Paula. Inclusive, a criação de Fernanda surgiu a partir do questionamento de Martelli em relação ao seu trabalho como atriz, “que não acontecia”.

Verdade seja dita, “Minha Vida em Marte” pode sim ser considerada um espelho da própria vida de Martelli. Além da postura independente, de se empoderar do direito de ser feliz, o histórico amoroso da artista (segundo a própria) a fez com que se tornasse “expert” em relacionamentos. E que sorte a nossa de ter uma atriz da estirpe de Mônica tratando no âmbito da comédia (e com muita leveza) um assunto visivelmente tomado como "chato", mas que adquire relevância quando tangencia às relações de gênero. 

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