Por mais de 500 anos, as mulheres foram praticamente ocultadas da história "oficial" do Brasil. Na maioria das vezes em que são citadas, elas são lembradas em papéis coadjuvantes, relativamente menores. Às vezes, são lembradas por serem esposas de fulano de tal, ou então, por constarem na certidão de nascimento de um ciclano. A história brasileira deixou as nossas mulheres por debaixo dos panos e tem um passado muito mal contado sobre elas. Afinal: onde elas estiveram e o que fizeram?
Ao contrário do que muitos pensam, houve brasileiras que não se conformaram com as condições as quais foram submetidas. Muitas delas rebelaram e ajudaram na formação do nosso país. Cada uma do seu jeito: seja pegando em armas, com caneta e papel, ardendo nas fogueiras, levando chibatadas, acendendo velas ao "Nosso Senhor", ganhando medalhas, escrevendo em jornais, alfabetizando, panfletando, votando, dançando, pintando e bordando, mandando, doutorando, cantando...
Hoje é o Dia Internacional da Mulher, celebrado mundialmente. No entanto, avalio que você não pode deixar essa data passar em branco sem conhecer algumas mulheres da terra e seus incríveis feitos pioneiros. Vamos lá para uma humilde aula de história?
10) Anésia Pinheiro Machado (1904 - 1999)
A paulista de Itapetininga é uma das pioneiras da aviação no Brasil. Veio de uma família abastada. Em 1921, fez seus primeiros treinamentos com aeronave. Em abril de 1922, foi a segunda brasileira a receber o brevê de piloto - o primeiro foi concedido a Tereza de Marzo. Tornou-se a primeira aviadora brasileira a transportar passageiros e a realizar voos acrobáticos. Além disso, foi a primeira mulher a fazer um voo transcontinental, percorrendo mais de 17 mil quilômetros sobre o continente americano.
No centenário da Independência, em 1922, voou o eixo Rio-São Paulo. Aproveitou a ocasião para divulgar o movimento feminista no Brasil, já que era a primeira mulher a realizar tal façanha. Durante a sua carreira, foi agraciada com várias homenagens, dentre elas o título de Decana Mundial da Aviação Feminina e a mais alta honraria da Organização da Aviação Civil Internacional.
9) Celina Guimarães Viana (1898 - 1972)
A professora da Escola Normal de Mossoró (RN) entrou para a vanguarda política feminina na América do Sul ao se tornar a primeira eleitora do Brasil. Em 1927, quando o então candidato ao governo do estado, Juvenal Lamartine, divulgou que no seu plano de governo estava previsto a inclusão dos direitos e deveres cívicos de ambos os sexos, o nome de Celina apareceu em uma lista de eleitores do Rio Grande do Norte. Naquele momento, iniciava-se o movimento do sufrágio feminino no estado potiguar. Em outubro de 1927, o RN se tornou a primeira localidade do país a abolir a distinção de sexo para o exercício do voto.
Em novembro de 1927, Celina entrou com uma petição na qual solicitava a inserção do seu nome no rol de eleitores do município de Mossoró. O despacho do juiz foi favorável à Celina. Após a decisão, ela ainda apelou ao Senado Federal para que todas as compatriotas tivessem o mesmo direito.
8) Léa Campos (1945)
Pioneira a nível global, a mineira de Belo Horizonte é a primeira mulher árbitro de futebol no mundo. A paixão pelo futebol surgiu na escola, onde se tornou centroavante de um time de meninas. Em 1967, iniciou a carreira como árbitro ao fazer um curso de oito meses, no Departamento de Futebol Amador da Federação Mineira de Futebol (FMF). No entanto, o governo federal e a FIFA só reconheceram o seu diploma em 1971. Para obeter o diploma, precisou se submeter a exames e testes para provar que estava apta para exercer a profissão. Naquela época, ainda se acreditava que as mulheres tinham uma estrutura óssea inferior ao dos homens.
Teve que lutar para conseguir o diploma. Por quatro anos, travou uma briga com a CBF. Chegou a pedir ajuda do presidente da República. A conquista só veio de fato com a Copa Mundial de Futebol Feminino, no México, onde representou o país como árbitro. Mesmo com a sua diplomação e podendo apitar jogos em vários estados, Léa enfrentou a resistência da Federação Paulista de Futebol (FPF), pois a entidade tinha como ilegal o exercício da função de juiz por uma mulher. Apitou centenas de partidas ao redor do mundo, em continentes como Europa, América do Norte, Central e Sul.
7) Maria Firmina dos Reis (1825 - 1917)
Nascida em São Luis (MA), é autora do primeiro romance abolicionista no Brasil,"Úrsula", publicado entre 1859 e 1860 sob o pseudônimo de Uma Maranhense. Também publicou outras obras cuja a temática era a questão da escravatura, como "Treze de Maio" e o conto "A Escrava". Além disso, publicou poesias e artigos em jornais locais e compôs músicas para folguedos populares. Aos 55 anos,fundou uma escola mista e gratuita para crianças pobres, onde lecionou até se aposentar em 1881.
6) Violante Atalipa Ximenes Bivar e Velasco (1816 - 1874)
De origem baiana, Violante era uma mulher culta. Desde cedo, aprendera a falar francês, italiano e inglês. Com a família, mudou-se para o Rio de Janeiro. Ainda jovem, traduziu a peça "O xale de casemira verde", de Alexandre Dumas e Eugênio Sue. O ofício lhe garantiu a entrada no grêmio do Conservatório Dramático do Rio de Janeiro.
Em 1840, conheceu a argentina Joana Paula Manso de Noronha, fundadora do periódico "Jornal das Senhoras, o primeiro comandado por uma mulher. Da amizade, nasceu a parceria. Violante entrou como colaboradora e meses depois era uma das editoras, até deixar o jornal em 1855. Fora do universo jornalístico, dedicou-se ao mundo das letras com escritos literários. Historiadores a consideram a primeira jornalista brasileira, já que a sua amiga Joana era da Argentina.
5) Alzira Soriano (1897 - 1963)
Natural de Jardim de Angicos (RN), Alzira cresceu em um ambiente politicamente conturbado, vendo o pai agir como um influente líder na região. Com a campanha de 1927 pela concessão do direito de voto das mulheres no Rio Grande do Norte, o interesse de lançar uma candidatura feminina ficou mais forte. Em 1928, o nomes escolhido foi justamente o de Alzira. Ela disputaria a prefeitura de Lages pelo Partido Republicano.
Na corrida eleitoral, Alzira não foi poupada de ofensas pessoais. Os adversários a taxavam de "prostituta" por ser uma mulher com vida pública ou diziam que não pegava bem para uma senhora de família mexer com política. Apesar dos contratempos, a candidatura de Alzira foi um sucesso: arrebatou 60% dos votos válidos. A eleição da potiguar repercutiu até no jornal americano The New York Times. A nota, de 8 de dezembro de 192, chamava atenção para a eleição da primeira mulher a um cargo eletivo no Brasil e na América Latina. A posse, no dia 1º de janeiro de 1929, foi amplamente veiculada na imprensa. Em quase dois anos de governo, realizou obras de infraestrutura e melhoria das condições de vida da população com os recursos municipais. Abandonou o cargo com a Revolução de 1930. Ficou um tempos afastada da política até depois da redemocratização do país, em 1945. Candidatou-se à Câmara Municipal, pela União Democrática Nacional (UDN), virando líder da sua bancada. Reelegeu-se várias vezes como vereadora, tornando-se referência de seu partido no Legislativo.
4) Antonieta de Barros (1901 - 1952)
Oriunda de Florianópolis (SC), Antonieta teve que enfrentar muitas barreiras do seu tempo para uma mulher negra. Na década de 20, começou trabalhando como jornalista , criando e dirigindo o jornal "A Semana", cuja duração foi até 1927. Três anos mais tarde, passou a dirigir o periódico "Vida Ilhôa".
Depois de ter se diplomado no magistério, Antonieta atuou como educadora. Além de ter fundado o Curso Antonieta de Barros, o qual coordenou até sua morte, também deu aulas em outras instituições de ensino da cidade.
Com a realização da primeira eleição em que as mulheres brasileiras puderam votar e serem votadas, Antonieta se filiou ao Partido Liberal Catarinense e se elegeu como deputada estadual (1934 a 1937). Obtendo tal cargo, Antonieta, se tornou a primeira mulher negra a assumir um mandato popular no Brasil. Também foi a primeira a integrar o Legislativo Estadual de Santa Catarina.
Em 1945, após a queda do Estado Novo, concorreu a deputada estadual e conseguiu a primeira suplência pelo Partido Social Democrático (PSD). Assumiu a vaga na Assembleia em 1947 e cumpriu o mandato até 1951.
3) Maria José de Castro Rebelo Mendes (1891 - 1936)
A baiana de Salvador cresceu em uma família rica. Com a morte do pai em meados de 1910, a situação financeira da família ficou mais complicada. Enquanto a mãe dirigia uma pequena escola em casa, Maria José foi morar com parentes no Rio de Janeiro, onde estudou e trabalhou dando aulas particulares. Graças a um primo, soube de um concurso no Itamarati. Acreditando estar apta para concorrer, pois tinha um bom domínio em línguas estrangeiras, a jovem se matriculou. Mesmo tendo estudado e se dedicado sozinha, o Ministério das Relações Exteriores não aceitou o pedido de inserção da moça.
A negativa do Itamarati repercutiu publicamente quando a família de Maria José procurou Rui Barbosa para avaliar o caso de forma jurídica. Sensível ao pedido, Barbosa elaborou um parecer alegando a inconstitucionalidade da recusa. O ministro Nilo Peçanha, pressionado, autorizou o pedido de inscrição da candidata e o seu ato ecoou na imprensa. Porém, o eco esteve em dois lados: os que apoiavam Maria José, incentivando as mulheres a ocuparem cargos públicos, e os que criticavam, insinuando uma "marcha do feminismo" no Itamarati.
No concurso, Maria José foi a primeira colocada, apresentando diante da banca uma boa arguição oral. Ao assumir as funções de diplomata, manteve um estilo discreto. Em 1934, aposentou-se da vida pública pelo fato de o marido ter sido nomeado conselheiro da embaixada brasileira na Bélgica e, por sanções administrativas, ela não poder assumir o mesmo cargo que ele.
2) Maria Lacerda de Moura (1887 - 1945)
Em seus primeiros livros, a mineira de Manhuaçu já mostrava interesse pelos ideais feministas. Em 1918, publicou a obra "Em torno da educação", na qual expressa o otimismo na instrução das mulheres como instrumento transformador de suas vidas. Trabalhou em parceria com a feminista Bertha Lutz na fundação da Liga pela Emancipação Intelectual da Mulher, órgão que mais tarde originaria a Federação Brasileira do Progresso Feminino (FBPF). Ao se mudar para São Paulo, indignou-se com as condições de vida do proletariado. Deixou de lado o discurso ameno da FBPF para envolver-se intensamente com o movimento operário anarquista.
Ao assumir a presidência da Federação Internacional Feminina, entidade criada por mulheres paulistas, inseriu nos estatutos a proposta de modificação dos currículos de todas as escolas femininas, incluindo a disciplina "História da mulher, sua evolução e missão social". Maria Lacerda também se revelou defensora da educação sexual e contra a moral vigente. Para ela, as relações mantidas pelas mulheres com o seu corpo, os homens, a família e o trabalho eram temas mal discutidos no movimento feminista convencional. Usou toda a sua produção intelectual como canais de expressão para abordá-los.
Afastou-se do movimento feminista de esquerda ao acreditar que a conquista do voto seria um avanço apenas para as mulheres da elite e não abalaria as estruturas patriarcais. Contudo, na Revolução Constitucionalista de 1932, ainda continuou a lutar pela emancipação e pelos direitos da mulheres à instrução. Com suas ideias e obras, Maria Lacerda desafiou todas as formas de poder (estado e Igreja).
1) Madalena Caramuru (séc. XVI)
Filha da lendária índia Moema ou de Catarina Paraguaçu, de acordo com o historiador Eduardo Bueno, e de Diogo Álvares Corrêa, o Caramuru, Madalena nasceu na Bahia. Historiadores como Gastão Penalva e Francisco Varnhagen atribuem a ela o título de a primeira mulher brasileira letrada, numa época em que as mulheres eram mantidas em absoluta ignorância.
Penalva afirma que o marido de Madalena, o português Afonso Rodrigues, foi o responsável por introduzir a índia no universo das letras. O mesmo autor revela uma possível carta que Madalena teria escrito em 1561 ao bispo de Salvador, pedindo as crianças escravas fossem salvas dos maus-tratos. No documento, a remetente oferece 30 peças para o resgate das "pobres crianças", além de condenar a presença de navios e negociantes negreiros em sua terra. O caso de Madalena, mesmo que careça de fontes mais consistentes, é uma notória exceção ao padrão vigente na antiga sociedade colonial.
A fim de saber de mais sobre essas e outras brasileiras que atuaram na historiografia brasileira? Veja mais no site Mulheres 500 Anos ou então confira o livro "Dicionário de Mulheres do Brasil" (Editora Zahar).
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