Fact-checking: uma “vacina” contra as notícias falsas

Fact-checking: uma “vacina” contra as notícias falsas*

Por Leonardo Amorim

É absolutamente normal: a todo o momento, milhões de internautas ao redor do planeta compartilham conteúdos noticiosos nas redes sociais. Mas essa chuva torrencial de informações traz um desafio para o leitor: a diferenciação entre o que é verdadeiro e o que é falso. Que atire a primeira pedra quem nunca se encontrou no seguinte dilema ao ler uma notícia de caráter duvidoso: acreditar ou não?

Quando uma notícia falsa (fake news) “viraliza” na web, as consequências geralmente não são nada benéficas. Mais do que uma mera publicação nas redes sociais, a notícia falsa se alastra endemicamente e gera proporções absurdas ao fato. Em casos mais sérios, tem o potencial de impactar a opinião pública, como ocorreu nas últimas eleições nos Estados Unidos. E não é difícil criar uma notícia mentirosa. Atualmente, com a disponibilidade dos recursos tecnológicos, qualquer pessoa pode criar, personalizar e compartilhar conteúdos na internet.

Em um cenário no qual o crescimento do consumo de notícias falsas, inventadas e não verificadas teme até mesmo as poderosas Google e Facebook – que recentemente criaram soluções para a verificação de fake news – é que emerge uma nova prática jornalística: o fact-checking (ou “checagem de fatos” em português). Ela tem sido adotada por profissionais e empresas de comunicação que realizam coberturas políticas, especialmente no âmbito eleitoral. O formato inovador surgiu com a proposta de checar a qualidade do discurso político. Por ser uma iniciativa recente, pesquisadores do âmbito acadêmico têm promovido discussões e concentrado esforços nos estudos sobre o fenômeno do fact-checking no jornalismo. Os principais resultados, até agora, vieram de estudiosos dos Estados Unidos, onde a atividade é mais evidente e demonstra certo relevo.

Imersão em pesquisas e estudos

Por meio de Amazeen (2015)[1], Neisser (2015) afirma que o fact-checking se destina a prestar contas e a mostrar os erros de informação verificados em uma declaração dada por uma fonte qualquer. Esse mesmo autor lembra que o fact-checking é, em primeiro plano, “uma atividade voltada ao público, com o intuito de transmitir informação com fidedignidade, de modo a permitir que as decisões sejam tomadas com o maior esclarecimento possível”. Indo mais a fundo, o autor transcreve a conceituação feita pelo American Press Institute e citada por Amazeen (2015):

Factcheckers e organizações de fact-checking têm por finalidade aumentar o conhecimento disponível, emitindo relatórios mediante a pesquisa de alegados fatos contidos em declarações publicadas ou gravadas feitas por políticos ou quaisquer outras pessoas cujas palavras tenham impacto na vida de outros. Factcheckers investigam fatos verificáveis e seu trabalho é livre de vinculações partidárias, defesa de temas políticos ou retórica.

O objetivo do fact-checking deve ser o de fornecer informação clara e rigorosamente controlada aos consumidores, para que eles possam usar os fatos de modo a fazer escolhas plenamente conscientes no ato de votar ou em outras decisões essenciais (AMAZEEN, 2015 apud NEISSER, 2015, p.191).

O pesquisador observa que a primeira agência dedicada a esse tipo de tarefa surgiu em solo americano: o site FactCheck.org foi criado por um grupo da Universidade da Pensilvânia, em 2003. No entanto, a projeção nacional das entidades de checagem só ocorreu em 2008, durante as eleições presidenciais americanas. Na época, surgiram declarações que diziam que o então candidato Barack Obama teria nascido no Quênia, o que inviabilizaria a referida candidatura. Graças ao trabalho rigoroso de apuração realizado pelas agências FactCheck.org e PolitiFact, a informação divulgada foi anunciada como falsa, sendo esta contestada por provas documentais que desmentiram a versão vigente. Autenticando o pioneirismo americano neste ramo, Nyhan e Reifler (2014) acreditam que “uma das mais significativas inovações no jornalismo norte-americano ao longo da última década foi o crescimento do fact-checking como uma nova abordagem de cobertura política” (NYHAN; REIFLER, 2016, p.01, tradução nossa)[2].

Além dos Estados Unidos, é possível denotar o crescimento de agências de fact-checking ao redor do mundo. Segundo Neisser (2015), essas instituições tem se estruturado em dezenas de lugares como Austrália, Coréia do Sul, África do Sul, Egito, Nova Zelândia, Nigéria, Filipinas, Tunísia, Afeganistão, Índia, Turquia, Costa Rica e Chile. Já Pomares e Guzmán (2014), em um recorte menos generalista, citam nações latino-americanas como Colômbia, Honduras, Uruguai e Argentina.

O Brasil também não ficou de fora dessa lista. Apesar de serem poucas, por aqui já existem empresas jornalísticas voltadas exclusivamente à prática de fact-checking. Uma das mais conhecidas é a Agência Pública. O site de jornalismo investigativo independente gerencia desde 2014 o projeto “Truco”, que começou fiscalizando os deputados federais e senadores do Congresso Nacional. A mais recente atuação da iniciativa foi nas eleições municipais de 2016. Nesta fase, intitulada “Truco Eleições 2016”, mais de 50 candidatos a prefeito de cinco capitais brasileiras (São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Recife e Belém) tiveram falas e discursos checados.O monitoramento abrangeu programas eleitorais na TV e no rádio, entrevistas a veículos de imprensa e redes sociais dos próprios políticos.

Apesar de se perceber uma expansão do movimento fact-checking a nível global, é importante ressaltar que as entidades interessadas em realizar checagens devem se estruturar a partir de características primordiais para a operação e funcionamento de tal atividade. Em primeiro lugar, espera-se que toda agência de fact-checking seja independente em relação às forças político-partidárias. A não distinção partidária e ideológica visa tornar a cobertura jornalística menos parcial em vista aos modelos tradicionais da imprensa. Além disso, os serviços de checagem que assumem essa postura são referenciados positivamente em termos de credibilidade, tanto pelo público quanto por outros meios de comunicação. Isso significa que instituições de fact-checking conseguem atingir públicos mais amplos e que as informações divulgadas por elas são vistas com mais confiança. Em seu site, além de afirmar que não tem preferências partidaristas, o projeto de fact-checking da Agência Pública assinala que para realizar uma cobertura equilibrada e garantir a fiscalização de todos os candidatos, é feito um rodízio com todos eles.

Outra característica preponderante das entidades de fact-checking diz respeito à classificação das checagens realizadas. Mais do que qualificar uma informação como “verdadeira” ou “falsa”, deve-se criar indicadores mais assertivos. Neisser (2015) pontua que os projetos de fact-checking mais relevantes não trabalham com a classificação dual. Dentre eles, estão o Truth-O-Meter, escala métrica criada pelo PolitiFact com seis categorias e o “Teste do Pinóquio”, mantido pelo jornal Washington Post e que dispõe de sete categorias. O sistema metodológico do “Truco Eleições 2016”, da Agência Pública, também rompe com a visão maniqueísta. As informações analisadas pelos fact-checkers desta instituição são classificadas através de cartas qualitativas, divididas em cinco categorias: falsa, distorcida, sem contexto, contraditória e verdadeira. Além dessas, há ainda a carta especial “Truco”. Esta representa um desafio lançado pelos jornalistas da própria agência aos candidatos políticos, que são “intimados” publicamente para esclarecerem inconsistências presentes em alguma declaração, caso sejam detectadas.


Figura 1: A escala classificatória do "Truco Eleições 2016" cunhou a carta "Blefe" para as informações completamente falsas (Fonte: Agência Pública)



Figura 2: Na metodologia de classificação do fact-checking da Agência Pública, a carta "Zap" ratifica as informações verdadeiras (Fonte: Agência Pública)

Figura 3: Fugindo do típico maniqueísmo "verdadeiro ou falso", o fact-checking da Agência Pública criou outras cartas qualitativas, como a "Tá certo, mas peraí", usada para selar as informações corretas, porém fora de contexto (Fonte: Agência Pública) 


É essencial também que as agências de fact-checking saibam lidar com os múltiplos temas tratados no setor político (saúde, educação, segurança pública, mobilidade urbana etc.). Entretanto, Neisser (2015) chama atenção para a participação de especialistas das mais diversas áreas do conhecimento no trabalho das checagens. A pertinente colaboração desses profissionais está na elucidação dos temas que exigem um rigor técnico para além do meio jornalístico.

A repercussão dos conteúdos elaborados pelos serviços de fact-checking em meios midiáticos é outra marca distintiva importante para as agências produtoras de checagens. Tida como referência no Brasil, a Agência Pública conta com mais de 60 parceiros em todo o país que integram a rede reprodutora de notícias geradas pelo site. Dentre os republicadores, estão veículos conhecidos como Brasil De Fato, Catraca Livre, Empresa Brasil de Comunicação (EBC), Carta Capital e UOL Esportes. Pontua-se que todos os meios midiáticos que republicam materiais da Agência Pública realizam tal função sob a licença creative commons. Amparado em Graves, Nyhan e Reifler (2015)[3], Neisser acentua o crescimento da reprodução dos conteúdos produzidos pelas entidades fact-checking em sites e portais noticiosos dos EUA.

Entre os atributos das instituições de fact-checking, está a transparência dos dados feita por estas empresas. Segundo Neisser (2015), além de caracterizar a função desempenhada por tais órgãos, a abordagem transparente deve estimular o cidadão a refazer as etapas de checagem que permitiram chegar ao veredicto final. Outro ponto delimitado das características de estruturação das entidades de checagem refere-se à exposição pública das fontes que conduzem o trabalho feito pela agência. Neisser (2015) aponta que cada agência realiza a apresentação de diferentes maneiras.

Outra característica relevante da atividade de fact-checking é a perenidade de atuação. Conforme Neisser (2015), o trabalho não pode englobar somente a cobertura do período eleitoral. O autor diz que a vantagem da dedicação prolongada dos fact-checkers na cobertura política está na otimização do trabalho individual, que futuramente permite as empresas realizarem comparações entre os resultados dos relatórios.



REFERÊNCIAS

AGÊNCIA PÚBLICA. Desenvolvido por: Cardume e Onírica, 2015. Agência de reportagem e jornalismo investigativo. Disponível em: <http://apublica.org/>.

NEISSER, Fernando Gaspar. Fact-checking e o controle da propaganda eleitoral. Ballot, Rio de Janeiro, v. 1, n.2 p. 178-212, dez.2015. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/ballot>.

NYHAN, Brendan; REIFLER, Jason. Estimating Fact-checking’s Effects. 2016. Disponível em: <http://www.americanpressinstitute.org/wp-content/uploads/2015/04/Estimating-Fact-Checkings-Effect.pdf>.

POMARES, Julia; GUZMÁN, Noelia. Measuring the impact of fact-checking. 2016. Disponível em: <http://livex.poynter.org/wp-content/uploads/2015/10/The-hardest-check-1.pdf>.




[1] AMAZEEN, Michelle A. Revisiting the epistemology of fact-checking. Critical Review, v. 27, n. 1, p. 1-22, 2015. Disponível em: <http://www.tandfonline.com/doi/abs/10.1080/08913811.2014.993890>.

[2] One of the most significant innovation in American journalism over the past decade has been the growth of fact-checking as a new approach to political coverage (NYHAN; REIFLER, 2014).

[3] GRAVES, Lucas; NYHAN, Brendan; REIFLER, Jason. Why do journalists fact-check?. 2016. Disponível em: <https://www.dartmouth.edu/~nyhan/journalist-fact-checking.pdf>

*Texto publicado no dia 9 de junho de 2016 no site Educomunidade, projeto de extensão do curso de Jornalismo do Centro Universitário de Belo Horizonte (UniBH) que trabalha interdisciplinamente as temáticas mídia e educação. Para ler o conteúdo na íntegra, clique aqui

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