Dois
em um: não é marketing, é androginia!*
Conheça o andrógino que curte heavy metal,
se maquia e usa peças femininas
Por Leonardo Amorim
Para quem vivencia
a androginia como uma identidade, ela é uma espécie de válvula de escape da
atual sociedade heteronormativa binária, na qual prevalece a dualidade macho /
fêmea. Mais do que uma tendência exuberante, o caráter andrógino permite que o
indivíduo transite entre os universos masculino e feminino de maneira fluída,
sem se preocupar com rótulos. Tal sensação é descrita pelo músico Renatho
Martins Assunção. “A androginia é a minha essência”, caracteriza. Cabelos
longos e sedosos, traços faciais delineados e meigos, corpo magro e alto. Assim
seria um breve retrato falado do jovem de 18 anos, que vive em Belo Horizonte,
e exibe nas redes sociais uma aparência dúbia, capaz de causa confusão à
primeira vista naquele que tentar decifrar o seu gênero.
Mas não pense que
tal fato o incomoda. “Amo quando dizem que me pareço com uma garota. Acho isso
um máximo! Até agradeço a pessoa. É sinal de que reconhecem a minha identidade
andrógina”, afirma. Ele ainda diz que, no modo de tratamento, não faz distinção
entre pronomes. “Tanto faz pra mim ser ele ou ela”, pontua.
O processo de
descoberta da identidade andrógina ocorreu em plena adolescência, por volta dos
15 anos. Foi por meio de amizades com indivíduos aparentemente ambíguos é que
Renatho se conscientizou, de fato, sobre o que era a androginia. “Quando tive o
meu primeiro contato com andróginos, me identifiquei de cara”, conta. Porém, o
fenômeno não era novidade, pois já tinha visto fotos de pessoas com feições
androgínicas e notara semelhança entre elas e sua própria imagem.
No entanto, a
androginia sempre esteve presente, de certa forma, na vida do jovem. “Bem antes
de adotar o visual andrógino, eu já tinha uma fisionomia bastante delicada”,
salienta. Ocasiões em que pessoas o tratavam como menina não fogem à
memória. Em uma delas, durante uma viagem de avião, estava acompanhado da mãe
quando uma aeromoça a indagou: “O que sua filha irá querer?”. Ainda quando era
criança, lembra também de uma vez em que o confundiram com uma prima. “Perguntaram
para minha avó se eu era a Sara”, diz.
Além desses casos,
o jovem andrógino se recorda especialmente de um que envolveu o lendário e
famoso ex-jogador do Galo (vulgo Atlético Mineiro), Dadá Maravilha. Em uma
brincadeira de pique – esconde com os amigos no prédio em que morava, Renatho
se escondeu no elevador e deu de cara com o ex-craque e, também, seu vizinho.
“Ele (Dadá) olhou pra mim e me cumprimentou chamando de “princesa”. Por conta
disso, os meus amigos me zoaram por um bom tempo”, relata.
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Renatho Martins constantemente é confundido com uma garota em função da aparência (Crédito:Jana Simão) |
Linha tênue
Renatho, que ama
música clássica, tem o sonho de se tornar regente musicista. “Toco flauta
transversal, flauta doce, pífano, violão, guitarra e um pouco de piano”. O
jovem cursou uma escola de música por um tempo e em casa, se dedica a ensaios
cotidianos. Atualmente, ele nem trabalha e estuda. Concluiu o ensino médio no
ano passado e seu último emprego foi de vendedor em uma loja de artigos para
festas.
Além do talento
com diversos instrumentos, o multi-instrumentista é fã de rock n´roll, mais especificamente, do heavy metal. Bandas como Mago de Oz, Tuatha de Danann, Angra,
Sepultura, Korzus, Faun e Iron Maiden estão na playlist musical do andrógino. A admiração por tais artistas também
está caracterizada em itens do vestuário. São camisetas estilizadas e
acessórios góticos, como pulseiras, braceletes e colares.
Não julgue um livro pela capa
Apesar de adotar o
estilo “roqueiro” e conviver com pessoas do meio, Renatho revela que muitos o
questionam sobre o gosto pelo rock.
“É tudo muito rotulado. Quando se fala de alguém que pertença ao universo LGBT
ou andrógino, logo se imagina preferências por divas pop ou cantoras drag.
Gostar de metal é algo incomum nesse grupo. Sou quase uma exceção”, explica.
Entretanto, tal condição não o isenta dos riscos de ser vítima de homofobia,
machismo ou conservadorismo, características que segundo ele, estão presentes
na cultura dos roqueiros / metaleiros.
Quando o assunto é
religiosidade, Renatho garante que religiões cristãs não é a sua praia. Mas
apesar disso, considera-se um entusiasta da mitologia celta pagã. Figuras de
entidades metafísicas, como a deusa Dana, e rituais da bruxaria verde (que
trabalha com o poder das ervas medicianais), são elementos que fazem parte de
sua crença. “Sou um grande admirador das músicas pagãs. Elas, em sua maioria,
possuem uma linha rítmica de uma cultura específica com temáticas religiosas e
transcendentais, originadas do paganismo”, manifesta.
Em casa, o jovem é
obrigado a professar sua fé às escondidas, já que a mãe é pastora de uma igreja
evangélica e abomina práticas que sejam anticristãs. Aliás, o relacionamento
com a mãe é delicado. Por diversas vezes, o músico lembra ter sido reprimido
por causa do caráter andrógino e por ter livros de conteúdo pagão. “Ela já me
disse que não criou filho para ser “bicha” e nem “bruxo”. Vive falando que sou
um homem de Deus”, reclama.
Embora o convívio
com a mãe seja desafiador, Renatho afirma que a maioria dos familiares são
conservadores e reprovam o seu jeito afeminado. Por isso, é comum ouvir de
algum parente frases coercitivas do tipo “Engrossa essa voz!”, “Anda direito!”,
“Senta igual homem!”, “Parte esse cabelo direito!”, “Tira esse lápis do olho!”
e “Troca de roupa! Você está parecendo bicha!” . Mas o andrógino nunca
levou nenhuma delas a sério. “Pra mim, tudo o que eu faço é legal. Só que pra
eles, soa como constrangedor”, expõe.
Ainda que passe
por situações repressoras ou discriminatórias no âmbito familiar, o jovem
sempre teve o apoio e o carinho dos amigos. “Quando estou com eles, o
preconceito é quase nulo. Aonde chego, sou muito popular”, ressalta.
Amor sem gênero e
sem sexo
Pansexual
convicto, Renatho descreve abertamente o amor como um sentimento natural, que
não distingue gênero ou sexo. “Tenho o direito de amar quem eu quiser”,
declara. Sobre a sua sexualidade, demonstra não possuir atração por um
estereótipo específico: “Já fiquei com transexual, travesti, garotas héteras,
gays, bissexuais e até mesmo andróginos”, conta. Tais experiências, de acordo
com o jovem, aconteceram espontaneamente entre amigos e conhecidos. “Somos uma
galera liberal. Então acaba que coisas desse tipo, sempre rola”, revela.
Defensor da
diversidade sexual e de gênero, o andrógino usa o Facebook para fazer críticas
árduas e irônicas a comentários preconceituosos contra à comunidade LGBT, além
de promover discussões sobre direitos humanos. “Você tem que ter amor próprio
para não pirar com tanta discriminação”, enfatiza.
Apesar de
expressar publicamente a identidade andrógina, “fantasmas” como o da homofobia
e da transfobia o rodeiam. “A androginia é uma arte para mim. É o modo como me
sinto bem. Mas às vezes, bate uma insegurança quando vejo casos de violência”, assume
o adepto do pansexualismo, que se refere aos assassinatos contra a população
LGBT.
Melhor do que se
preocupar com os dilemas e estigmas impostos pela sociedade heteronormativa
binária, para Renatho Martins Assunção, é vivenciar a essência andrógina de
corpo e alma. “Eu uso e abuso da minha androginia. A meu ver, ela me permite
ser livre para eu ser quem eu quiser”.
*O perfil,
publicado em junho de 2016, fez parte do projeto “Androginia – Transgressão à
Heteronormatividade Binária”. Para mais detalhes da iniciativa , clique aqui.
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